Camila Agustini
Carta Maior 15/05/2002
Ato em São Paulo ataca indicação de Gilmar Mendes para o Supremo
Advogado-geral da União é acusado de improbidade administrativa, subserviência incondicional aos interesses do presidente Fernando Henrique e situação funcional ilegal. Manifestação reuniu Dallari, Comparato, estudantes, parlamentares e associações do Judiciário.
A campanha do advogado-geral da União, Gilmar Mendes, a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) atrai mais atenções da opinião pública do que as anteriores. A reação da comunidade jurídica à escolha pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, também não tem precedentes. Uma das manifestações mais importantes contra Mendes, que será sabatinado no Senado na quarta-feira (15), aconteceu na noite de segunda-feira (13), no Largo São Francisco.
Os centros acadêmicos XI de Agosto (USP) e 22 de Agosto (PUC-SP) reuniram os professores Fábio Konder Comparato, Dalmo de Abreu Dallari e Sérgio Salomão Shecaira (todos da USP), o presidente do Sindicato dos Advogados, Ricardo Gebrim, o presidente da Câmara dos Vereadores do Município de São Paulo, vereador José Eduardo Cardozo (PT), e o promotor Roberto Livianu, representante do Ministério Público Democrático.
O advogado-geral, Gilmar Mendes, decidiu não dar entrevistas para responder aos seus críticos. Ele argumenta que nenhum dos candidatos anteriores falou à imprensa antes da sabatina no Senado. Por meio de sua assessoria de imprensa, Mendes afirma ter recebido apoio de personalidades do meio jurídico, como: Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Tércio Sampaio Ferraz, Ives Gandra Martins, Celso Ribeiro Bastos, Amaury Mascaro, Jorge Miranda, J.J. Gomes Canotilho, além dos ex-ministros daquela corte Aldir Passarinho, Célio Borja e Oscar Corrêa.
Durante o ato público da última segunda-feira, Comparato criticou a falta de independência dos poderes no Brasil. Segundo o professor, o Brasil nunca conheceu um regime político de limitação de poderes. "O povo é que sempre teve seu poder soberano limitado pelas classes dominantes. Os três poderes aqui não são harmônicos e independentes como quer a Constituição Federal, sempre existiu uma relação de vassalagem em relação ao Executivo".
Para Comparato, a democracia se funda em dois pilares: soberania popular e respeito integral dos direitos humanos. "O princípio que une estes pilares é a limitação institucional ao exercício do poder. Todos os servidores públicos são delegados do povo e podem ser questionados e destituídos do poder".
O professor ressaltou que, pertinente a esta discussão, há uma incongruência no texto constitucional: a Constituição afirma que o povo exerce seu poder diretamente ou indiretamente, por meio de representantes eleitos. Contudo, no Judiciário, os representantes não são escolhidos pelo povo. Apesar disso, lembrou o professor, o Poder Judiciário só tem legitimidade porque exerce sua função em nome do povo. Esta é a principal razão para que este poder se afaste dos demais e busque uma independência autêntica. "O Judiciário tem que pôr a justiça acima do poder", sentenciou.
Os requisitos constitucionais
A Constituição Federal, em seu art. 101, prescreve os dois requisitos necessários ao preenchimento do cargo no STF: notável saber jurídico e reputação ilibada. Estes requisitos, segundo Comparato, são éticos e não técnicos
O saber jurídico ali consignado não é meramente o conhecimento acumulado sobre o Direito. Para Comparato, a Constituição não fala de alguém que tenha técnica jurídica. "O notável saber jurídico é a ética da democracia e da República. É saber seu passado como homem político. Ele atentou contra os direitos humanos? Ele lutou contra o interesse público? Este candidato é amigo ou inimigo da democracia?"
Dalmo Dallari, concordando com Comparato, explicou que o saber jurídico é a capacidade de perceber a importância do Direito nas relações humanas. "É procurar e encontrar, no Direito, os caminhos para a solução dos conflitos e harmonização social. E não inventar teorias jurídicas extravagantes para legitimar os atos do Executivo, como freqüentemente faz o senhor Gilmar Mendes".
Quanto à reputação ilibada, Comparato diz que a Constituição não fala simplesmente de honestidade: "qualquer pessoa que pretenda ocupar um cargo público precisa de honestidade e uma reputação democrática e republicana".
Dalmo Dallari lembrou que Mendes foi assessor do então deputado federal Nelson Jobim, que hoje ocupa também uma cadeira no Supremo e é conhecido como o "homem do governo na corte". Para ele, Mendes se colocou contra a democracia e o interesse público ao propor a ação declaratória de constitucionalidade sobre a medida provisória do apagão, afastando a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Ele critica também a intervenção de Mendes na demarcação de terras indígenas no Pará e a oposição à investigação de contas no exterior do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. "Ele atentou contra a imagem da Justiça ao referir-se ao "manicômio Judiciário", para citar apenas os episódios mais famosos", conta Dallari.
O promotor Roberto Levianu lembrou que a Lei da Mordaça foi formulada pelo advogado-geral. "A quem interessava o silêncio obsequioso do Ministério Público?" Shecaira, professor de Direito Penal, lembrou que há algumas ações penais em trâmite na Justiça contra o advogado-geral, especialmente relacionadas a crimes de improbidade administrativa. Dallari esclareceu que "para qualquer cargo público, até para porteiro da faculdade, o candidato não pode ser réu em ação penal. Não é necessário que haja condenação. Por que dispensar esse critério para o ministro do STF?"
Segundo Dallari, Mendes não deveria ser indicado porque a Lei Orgânica do Ministério Público (artigo 44) proíbe o exercício de qualquer outra função pública pelos promotores. "Ao ocupar a Advocacia-Geral da União, carreira alheia ao MP, enquanto ainda integrante dos quadros do Ministério Público, Gilmar Mendes incorre em evidente ilegalidade". Mendes também fere a Lei Orgânica do MP, segundo Dallari, porque exerce atividade comercial. O advogado-geral é um dos sócios do Instituto Brasiliense de Direito Público, conforme publicou a revista Época.As implicações políticas
Na opinião do vereador paulista José Eduardo Martins Cardozo (PT), a indicação de Mendes faz parte de uma série de medidas adotadas por FHC para preservar sua influência no quadro político brasileiro. "Ele quer evitar eventuais condenações futuras no Judiciário por um mandato irresponsável e, em certos aspectos, ilegal. "Parece que Dom Fernando Henrique se esquece que a Constituição assegura a tripartição de poderes. Agora tenta aprofundar seu amesquinhamento com esta indicação", diz. Para o vereador e professor da PUC-SP, o objetivo do presidente é simples: que o Supremo Tribunal Federal continue silenciando diante das privatizações, da edição de medidas provisórias inconstitucionais e da alienação do patrimônio nacional.
O presidente do Sindicato dos Advogados, Ricardo Gebrim concorda: "estão preparando terreno para o próximo mandato presidencial, para impedir que a população possa criminalizar FHC por seu mandato".
A manifestação, que reuniu 300 pessoas na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi gravada e será remetida ao senador José Eduardo Dutra (PT-SE), para exibição durante a sabatina no Senado, agendada para quarta-feira (15/05).
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