quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Como combater a fome e a pobreza - Oded Grajew

Victor Zacharias
Se você não quer ler o artigo do Oded, o que recomendo, a frase que resume é: falta vontade política.

U$ 700 BILHÕES.

Que "caia a ficha": não há ausência de idéias ou de recursos para acabar com as mazelas sociais. O que falta é vontade política, o governo norte-americano solicitou e obteve, em regime de urgência, autorização do Congresso para usar US$ 700 bilhões a fim de salvar o sistema financeiro.
Essa montanha de dinheiro estava disponível, da mesma forma como está disponível o montante de dólares -aproximadamente US$ 1 trilhão- investido anualmente pelos países em armas e operações militares.
Ao mesmo tempo, dois bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza no mundo.
A ONU estima que aproximadamente US$ 150 bilhões anuais seriam necessários para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Estabelecidos em 2000, prevêem para 2015 acabar com a fome e reduzir drasticamente a pobreza, as mazelas sociais e a degradação ambiental.
Nem a metade dos recursos necessários foi até agora arrecadada.
Conseqüentemente, prevê-se que as metas não serão atingidas. Para todos os que se preocupam com as questões sociais e ambientais, é fundamental que "caia a ficha".
Não há carência de idéias nem ausência de recursos para acabar com as mazelas sociais e proporcionar uma vida digna a todos os habitantes do planeta e assegurar o desenvolvimento sustentável às futuras gerações.
O problema é a falta de vontade política da maioria dos governantes.
Tenho confirmado em inúmeras ocasiões essa constatação. A título de ilustração, posso citar dois acontecimentos que presenciei.
O primeiro deles ocorreu em 2005 por ocasião da Assembléia Geral da ONU. Cento e vinte chefes de Estado e representantes governamentais se reuniram para avaliar o andamento dos ODM, bem abaixo da expectativa. Todos os governantes que falaram foram surpreendentemente francos, fizeram uma autocrítica e reconheceram unanimemente que o problema não é falta de recursos nem de idéias, mas apenas falta de vontade política.
A segunda ocasião também foi na ONU, num encontro de representantes da sociedade civil com Michel Camdessus, diretor-geral do FMI na época. De forma assustadoramente sincera, ele nos confessou que fora surpreendido alguns dias antes pelo presidente da Indonésia com uma pergunta sobre a melhor forma de combater a pobreza no seu país. Como não soube responder, porque nunca se debruçara sobre essa questão, queria os nossos conselhos.
A vontade política da maioria dos governantes (com poucas e honrosas exceções) não é exercida nos assuntos que não afetam diretamente a eles ou aos financiadores de suas campanhas. Eles não vivem na pobreza, não passam fome nem participam pessoalmente das guerras que declaram. No entanto, agem rapidamente para combater a crise financeira que atinge diretamente suas vidas.
No Brasil -onde há uma das maiores cargas tributárias do mundo -, os serviços públicos são de tão baixa qualidade que a maioria dos governantes e financiadores de campanha não os utilizam. Aposto que a vontade política de melhorar educação, saúde e transporte público aumentaria consideravelmente se fossem utilizados por eles e suas famílias.
Por isso é tão importante uma reforma política que elimine o financiamento privado das campanhas eleitorais e estimule a participação ativa da sociedade no acompanhamento do debate e da execução dos orçamentos públicos. Será que estamos condenados a agir apenas após as grandes catástrofes, que, pela sua dimensão, acabam atingindo a todos? Nunca, em toda a história da humanidade, foi tão necessário agir preventivamente. Aumenta a cada dia a distância entre ricos e pobres.
Estamos esgotando rapidamente os recursos naturais.
A humanidade está consumindo 50% a mais do que o planeta é capaz de repor. Estamos acabando com as florestas, envenenando rios, mares e o ar que respiramos. O aquecimento global já provoca grandes mudanças climáticas, derrete as calotas polares e eleva o nível dos oceanos. Temos recursos e tecnologia para acabar com a fome e a pobreza, mudar a matriz energética e produzir produtos e serviços de baixo impacto ambiental.
Os meios de comunicação, de informação e a indústria cultural têm poder para mudar, para melhor, comportamentos, prioridades e valores. Será que devemos esperar novamente uma grande e, talvez, definitiva catástrofe para mobilizar todos esses recursos e só então trocar nosso insano modelo de crescimento por um outro que vise o desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável? Tomara que não.
Depende de todos e de cada um de nós.

ODED GRAJEW, 64, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).

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