terça-feira, 10 de abril de 2012

Torturadores podem escapar o Poder Judiciário, mas não do desprezo público - Vladimir Safatle

Honrar o país

Por Vladimir Safatle, na Folha de S. Paulo


Aqueles que hoje desafiam a mudez do esquecimento e dizem, em voz alta, onde moram os que entraram pelos escaninhos da ditadura brasileira para torturar, estuprar, assassinar, sequestrar e ocultar cadáveres honram o país.

Quando a ditadura extorquiu uma anistia votada em um Congresso submisso e prenhe de senadores biônicos, ela logo afirmou que se tratava do resultado de um “amplo debate nacional”. Tentava, com isto, esconder que o resultado da votação da Lei da Anistia fora só 206 votos favoráveis (todos da Arena) e 201 contrários (do MDB).

Ou seja, os números demonstravam uma peculiar concepção de “debate” no qual o vencedor não negocia, mas simplesmente impõe.

Depois desse engodo, os torturadores acreditaram poder dormir em paz, sem o risco de acordar com os gritos indignados da execração pública e da vergonha. Eles criaram um “vocabulário da desmobilização”, que sempre era pronunciado quando exigências de justiça voltavam a se fazer ouvir.

“Revanchismo”, “luta contra a ameaça comunista”, “guerra contra terroristas” foram palavras repetidas por 30 anos na esperança de que a geração pós-ditadura matasse mais uma vez aqueles que morreram lutando contra o totalitarismo. Matasse com as mãos pesadas do esquecimento.
Mas eis que estes que nasceram depois do fim da ditadura agora vão às ruas para nomear os que tentaram esconder seus crimes na sombra tranquila do anonimato.

Ao recusar o pacto de silêncio e dizer onde moram e trabalham os antigos agentes da ditadura, eles deixam um recado claro. Trata-se de dizer que tais indivíduos podem até escapar do Poder Judiciário, o que não é muito difícil em um país que mostrou, na semana passada, como até quem abusa sexualmente de crianças de 12 anos não é punido. No entanto eles não escaparão do desprezo público.

Esses jovens que apontam o dedo para os agentes da ditadura, dizendo seus nomes nas ruas, honram o país por mostrar de onde vem a verdadeira justiça. Ela não vem de um Executivo tíbio, de um Judiciário cínico e de um Legislativo com cheiro de mercado persa. Ela vem dos que dizem que nada nos fará perdoar aqueles que nem sequer tiveram a dignidade de pedir perdão.

Se o futuro que nos vendem é este em que torturadores andam tranquilamente nas ruas e generais cospem impunemente na história ao chamar seus crimes de “revolução”, então tenhamos a coragem de dizer que esse futuro não é para nós.

Este país não é o nosso país, mas apenas uma monstruosidade que logo receberá o desprezo do resto do mundo. Neste momento, quem honra o verdadeiro Brasil é essa minoria que diz não ao esquecimento. Essa minoria numérica é nossa maioria moral.

2 comentários:

Eduardo Maretti disse...

Pois é, mas "desprezo público" é muito pouco quando sabemos dos processos na Argentina. Pouco, decepcionante e frustrante. Enquanto no país vizinho e no Chile os repressores foram objeto de processos, no Brasil vemos figuras como Ziraldo ganharem indenização de R$ 1 milhão e pensão mensal de R$ 4 mil por, no caso dele, ter sido censurado no Pasquim. Um escândalo, que mostra que até da sombra da ditadura os aproveitadores do jeitinho brasileiro, no caso travestidos de esquerdistas, se dão bem. Enquanto isso, os cães repressores andam livres e orgulhosos do serviço prestado à ditadura, quer dizer, à "revolução".

Victor disse...

Concordo Edu, a cortesia nacional faz com que não haja derramamento de sangue na busca de nossos direitos por isso o país acaba nesta troca da justiça por favores, ao contrário da corajosa Argentina. Quem sabe um dia os pingos sejam colocados.

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